A dezessete de Novembro de 1939, um acontecimento mudaria a maneira de fazer música na ilha da Jamaica. Estamos a falar da aparição da rádio. Tratava-se de uma emissora amadora de onda curta, chamada ZQI. Durante os primeiros anos, as horas de emissão eram muito escassas e os conteúdos em sua maioria,era de informativos e publicitários. Aos poucos abre-se um espaço na ZQI à programação musical, dominada nos primórdios por música clássica européia, música típica americana e, em menor média, músicas jamaicanas. Mas há que ter em conta que esta emissora contava com uns meios muito limitados pelo que a sua influência na sociedade jamaicana foi modesta.
A segunda referência radiofónica encontra-se na RJR (Rádio Jamaica Redifusão). Substitui a ZQI em 1950 e constitui a primeira rádio comercial da ilha. Nos seus conteúdos mais do mesmo: melodias típicas americanas que apenas agradavam à classe média jamaicana e que portanto não correspondia aos gostos da maioria da população jamaicana.
Nesta altura as preferências do povo jamaicano começavam a eclipsar o Mento (música popular jamaicana), pelo excitante ritmo dançável do Rhythm & Blues. Os jamaicanos acederam a esta música, importada dos EUA, através das potentes emissoras situadas em Nashville, Nova Orleans e Miami. Muitos jamaicanos sintonizavam estas emissoras, que provocavam autêntico furor na ilha. Mas enquanto os teenagers brancos dos EUA bailavam desenfreadamente ao ritmo de Fats Domino ou Little Richard, o povo jamaicano virou-se para o Rhythm & Blues mais adulto e mais “negro”. O R&B era uma música mais fácil de entender para os jamaicanos. De facto, não podemos esquecer que os negros do sul dos EUA sofreram, tal como os jamaicanos, a escravatura nas plantações e nos anos cinquenta experimentaram mudanças sociais muito similares, como foi a migração do campo para a cidade.
Um fator extra-musical que entra em jogo como peça fundamental para compreender a aparição do fenômeno Sound System na Jamaica, viria a ser a precária situação econômica da maior parte dos habitantes da ilha. Era praticamente impossível para um jamaicano comum adquirir um estéreo, que podia chegar a constituir 5% do seu salário anual. Nestas circunstância começam a surgir pela Jamaica grandes equipas móveis, destinadas a reproduzir os discos nos bailes, festas, parques e nightclubs. Tratavam-se de autênticos toca-discos comunitários. Corria o ano 1948. Acabava de nascer os Sound Systems.
Isto motiva a aparição de algumas espertas personagens, que aproveitavam as suas viagens aos EUA para trazer consigo algumas das novidades em 78 r.p.m., que logo passavam nos seus incipientes Sound Systems. À medida que avança a década de cinquenta os Sound Systems vão-se aperfeiçoando, ficando mais potentes e tecnicamente mais sofisticados.
Já na segunda metade da década de cinquenta começam a aparecer alto-falantes chamados House of Joy, do tamanho de um armário de roupa. Na sequencia,os chamados disc-jockeys (DJ’s) equipados com material super potente e imensos alto-falantes que transportavam num caminhão, os DJ’s concentravam-se na área central de Kingston (Beat Street), formando uma espécie de pistas de baile primitivas ou dance halls. Localizavam-se em geral nos guetos e consistiam num pedaço de terreno, perto de um bar, onde o promotor comprara a comida e bebida que logo vendia aos que vinham atraídos pela potente música. Dada a frenética atividade destes Sound Systems, em certas ocasiões parecia que toda a ilha estava a dançar. Os DJ’s viajavam comercialmente aos EUA para adquirir as gravações exclusivas com que divertiam os seus seguidores. Outras vezes estas chegavam às suas mãos através de marinheiros norte-americanos que faziam escala no porto de Kingston.
Desde este momento começou uma corrida para ver quem era o melhor DJ’s da ilha, o que congregava em torno do seu equipamento de som um maior número de gente. A rivalidade entre eles era intensa e não muito amistosa, inspirando lealdades nos seus seguidores similares às dos adeptos de equipas de futebol. Servindo álcool e passando êxitos a 78 r.p.m, os DJ’s tornaram-se senhores da guerra e combatiam em autênticas batalhas musicais entre eles. Controlavam os seus territórios submetendo-os a ensurdecedoras baixas frequências que deixavam toda a gente petrificada nas pistas de baile. Às vezes dois ou mais Sound Systems competiam para determinar quem tinha os melhores e mais exclusivos discos. Os DJ’s viajavam a Miami e a Nova Iorque à procura de vinis e, uma vez achados, era frequente arrancarem-lhes todas as etiquetas e apagarem qualquer referência ao selo, ao título ou ao artista. Riscavam mesmo os números de matriz gravados no vinil para estes não poderem ser reconhecidos pelos rivais.
Esta febre dos Sound Systems mostrava a sua face mais agressiva com a aparição de “valentões” e espiões (contratados pelos DJ’s rivais). O seu trabalho consistia basicamente em arranjar conflitos e criar qualquer tipo de distúrbio que ridicularizasse a performance dos DJ´s adversários. Era frequente que estas festas acabassem literalmente aos tiros, sobretudo tendo em conta a habitual presença de sire Duke Reid, DJ’s que costumava chegar com uma coroa dourada na cabeça e um revólver calibre 45. Outros DJ’s destacados da época eram Clement “Coxsone” Dodd (especialmente enfrentando o anterior citado) e Vincent “King” Edwards.
A ilha, como estamos a ver, mantinha uma completa dependência musical dos EUA. A cena musical norte-americana marcava os gostos musicais na Jamaica; a música que triunfava lá tinha logo sucesso na ilha. No final da década de cinquenta, esta situação vai mudar. A música negra americana dá uma volta negativa para o gosto musical dos jamaicanos. O excitante R&B já não estava na moda nos EUA, dando este estilo lugar ao Rock & Roll. Os discos negros norte-americanos suavizavam-se cada vez mais com a intenção de agradar também à audiência branca. O fio condutor dos Sound Systems, que consistia na dança, não o esqueçamos, começava a debilitar-se: as melodias duras escasseavam e o negócio começava a decair. Além disso, o componente de exclusividade que tinham os vinis no início do fenômeno Sound System perdia-se também já que começavam a surgir pessoas que vendiam na Jamaica cópias desses discos de 78 r.p.m.
Esta situação leva a que, se a ilha não recebia os ritmos desejados, eles mesmos, os jamaicanos, os iriam criar. As bases estavam já estabelecidas: Mento (a matriz da música jamaicana) e Rhythm & Blues. Futuras influências como o Jazz, Ya Ya, Calypso ou Pop britânico e norte-americano, fariam com que na década de sessenta surgisse o Ska. Algum tempo depois nasceria o seu filho, o Rocksteady, e o seu neto, o Reggae. Mas isso já é outra história.Na atualidade, a cultura dos Sound Systems continua viva na Jamaica. O clima tropical proporciona aos jamaicanos o estilo de vida ao ar livre e à noite quase todas as brisas transportam o som dos Sound Systems por todos os cantos da ilha. O certo é que a mistura à base de música e grupos numerosos a dançar nas ruas cria uma atmosfera especial, que faz empalidecer a sensação de escutar discos solitariamente em casa. Mesmo as aldeias mais pequenas têm pelo menos dois Sound Systems. Já sabemos que um só Sound System, sem a concorrência de outro, é impensável. Os Sound Systems representaram na Jamaica, em definitivo, a primeira forma de lazer fora de casa. Uma expressão cultural de impressionante valor, surgida numa pequena, mas excitante, ilha do Caribe.
BY: eastendkidsaju e uma fonte desconhecida.
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